31 dezembro 2006

My left foot (1989)

Já há vários anos que decidi que não vale a pena fazer resoluções de Ano Novo. No entanto, deixo no Falar em Terapêutica uma intenção para 2007:

  • Rever o filme My left foot (O meu pé esquerdo), de 1989, realizado por Jim Sheridan e com um admirável Daniel Day Lewis como protagonista.

Este filme é uma adaptação do livro de Christy Brown, que nasceu com paralisia cerebral. Ele aprendeu a pintar e a escrever com o seu único membro controlável – o pé esquerdo.

Sugiro especialmente aos meus colegas de curso. A maior parte ainda estaria no período da expansão gramatical e provavelmente ainda com algumas dificuldades fonológicas. :) É muito natural que não tenham visto e talvez nem sequer ouvido falar deste filme turbulento, mas também divertido e por vezes triste. Uma história de esperança e inspiração.

28 dezembro 2006

Natal dos Simples

Vamos cantar as janeiras
Vamos cantar as janeiras
Por esses quintais adentro vamos
Às raparigas solteiras

Vamos cantar orvalhadas
Vamos cantar orvalhadas
Por esses quintais adentro vamos
Às raparigas casadas

Vira o vento e muda a sorte
Vira o vento e muda a sorte
Por aqueles olivais perdidos
Foi-se embora o vento norte

Muita neve cai na serra
Muita neve cai na serra
Só se lembra dos caminhos velhos
Quem tem saudades da terra

Quem tem a candeia acesa
Quem tem a candeia acesa
Rabanadas pão e vinho novo
Matava a fome à pobreza

Já nos cansa esta lonjura
Já nos cansa esta lonjura
Só se lembra dos caminhos velhos
Quem anda à noite à ventura

Zeca Afonso

23 dezembro 2006

Natal

Nasce um deus. Outros morrem. A Verdade
Nem veio nem se foi: o Erro mudou.
Temos agora uma outra Eternidade,
E era sempre melhor o que passou.

Cega, a Ciência a inútil gleba lavra.
Louca, a Fé vive o sonho do seu culto.
Um novo deus é só uma palavra.
Não procures nem creias: tudo é oculto.

Fernando Pessoa
Cancioneiro









Desenho de Fernando Pessoa por Almada Negreiros

20 dezembro 2006

Mobilidade do olhar e perturbações da leitura

As dificuldades da visão próxima na criança
Após alguns estudos, concluiu-se que, em crianças sem problemas a partir dos 4,5 anos, a coordenação binocular é medíocre, sobretudo a uma distância curta, precisamente a da leitura. A uma distância maior, a criança de 8, 10 e 12 anos adquire uma coordenação binocular mais próxima da do adulto. Pelo contrário, a uma distância curta, mesmo aos 10-12 anos, a qualidade da coordenação mantém-se inferior. Devido a esta descoordenação, o objecto fixado no fim da sacada ocular não é projectado na fóvea de cada olho e, consequentemente, as duas imagens não se fundem no córtex: podendo resultar uma imagem dupla. Para compensar este defeito, o cérebro comanda movimentos lentos de divergência ou de convergência, de modo a realinhar os dois eixos ópticos sobre o objecto.

Estes defeitos na motricidade binocular dão lugar a momentos de visão perturbada, estimulando a aprendizagem oculomotora e a adaptação que tende a melhorar a coordenação motora dos dois olhos. Assim, a coordenação binocular motora melhora graças não só à maturação e harmonização muscular, mas também devido a mecanismos de aprendizagem e de auto-regulação.

Problemas oculomotores e dificuldades da leitura
Quando lemos, os olhos efectuam sacadas da esquerda para a direita. Cada sacada é seguida de um período de fixação e estes momentos ocupam 90% do tempo da leitura. Estes instantes são de grande actividade, porque servem para a análise visual e para o tratamento perceptivo, assim como para a preparação da sacada seguinte. A preparação da sacada necessita de um trabalho cortical importante que ocorre em paralelo com o tratamento e compreensão do texto. A mobilidade ocular é uma condição fundamental para uma leitura eficaz – movimentos de vergência consoante a proximidade, assim como movimentos de sacada rápidos e coordenados entre os dois olhos.

As crianças entre os 6 e os 7 anos apresentam um deficit de coordenação a uma distância próxima, sendo confrontados temporariamente com uma visão alterada. Assim, aquando da aprendizagem da leitura, por volta daquela idade, as crianças têm que aprender simultaneamente a ler a e coordenar os movimentos dos olhos.
A questão que se coloca é se os problemas oculomotores associados à dislexia resultariam de uma aprendizagem oculomotora mais lenta ou deficiente. Alguns estudos demonstram que muitos disléxicos têm problemas de vergência e de coordenação binocular da sacada. A autora do artigo considera que o estado da vergência é primordial para uma leitura sem cansaço.

Devido às dificuldades de leitura das jovens crianças, nomeadamente disléxicas, deveria investigar-se um eventual deficit oculomotor. A vergência e a coordenação binocular da sacada podem ser moduladas pela aprendizagem, por isso a reeducação ortóptica da vergência permitirá uma maior rapidez na execução desse movimento. Deste modo, os exercícios habituais de reabilitação deveriam ser enriquecidos com métodos dinâmicos e interactivos inspirados nestas pesquisas.

Em suma, as crianças disléxicas terão uma descoordenação binocular da sacada, uma fixação instável no espaço e uma dificuldade na divergência. Estes resultados são importantes para o desenvolvimento de actividades visuo-motoras que ajudem a criança disléxica a aprender a manter melhor o olhar e a atenção visual nas palavras, de forma a obter melhores performances na leitura.

REFERÊNCIA:
Kapoula, Z. (2005). Mobilité du regard et troubles de la lecture. Orthomagazine, nº 60 (septembre/octobre 2005). Issy-les-Moulineaux: Masson, pp.22-26.

Realizado por Eva Antunes

17 dezembro 2006

Mobilidade do olhar

O estudo do movimento dos olhos é um dos domínios de predilecção das neurociências cognitivas, sendo uma forma de analisar o funcionamento e o desenvolvimento do cérebro. A mobilidade do olhar e a visão estão interligados, uma vez que a visão fina só é possível se a imagem está estável e projectada na zona central da retina (a fóvea). Há três tipos de movimentos para a exploração visual: as sacadas, os movimentos de vergência e os movimentos combinados.

A sacada ocular é o mais rápido dos movimentos naturais e trata-se da fixação do olhar seguida de um movimento veloz. As sacadas podem ser laterais, verticais ou oblíquas e os dois olhos mexem simultaneamente na mesma direcção praticamente com a mesma amplitude. A vergência corresponde aos movimentos efectuados quando transferimos o nosso olhar de um objecto distante para um objecto próximo – convergência – e aos movimentos de passagem de uma visão próxima para uma distante – divergência. A vergência é essencial não só para a percepção do relevo e das distâncias, mas também para o equilíbrio. A sua disfunção desestabiliza as imagens na retina, causando sensações de vertigens e alterações de equilíbrio. Os movimentos combinados, dirigidos lateralmente (ou verticalmente) e em profundidade, são usados para fixar objectos em direcções e distâncias variadas, sendo os mais efectuados porque os objectos raramente estão alinhados no plano mediano. Os olhos mexem incessantemente: movimentos de sacada muito rápidos e de vergência mais lentos.

O tempo de preparação para os movimentos é a latência e durante esse período ocorre o deslocamento da atenção visual para o objecto alvo, o cessar da fixação, a determinação dos parâmetros do movimento a efectuar e a decisão de mexer.

Tempo de preparação e maturação cortical na criança:
O tempo de latência dos movimentos é mais longo na criança e diminui com a idade até aos 10-12 anos, altura em que fica semelhante à do adulto. São os movimentos de convergência que necessitam de um tempo de latência mais longo e são mais variáveis, seguidos dos de sacada e depois os de divergência. Todos estes movimentos, nomeadamente os de vergência, são primordiais na vida quotidiana e escolar da criança, que tem que passar da leitura do quadro ao longe para o seu caderno. A lentidão no despoletar destes movimentos deve ser tida em conta nos desempenhos da criança.

REFERÊNCIA:
Kapoula, Z. (2005). Mobilité du regard et troubles de la lecture. Orthomagazine, nº 60 (septembre/octobre 2005). Issy-les-Moulineaux: Masson, pp.22-26

Realizado por Eva Antunes

15 dezembro 2006

"História trágico-marítima"

Maria Helena VIEIRA DA SILVA (1944, óleo sobre tela, 81 x 100 cm)

Porque me sinto a naufragar!!

13 dezembro 2006

3º Simpósio Luso-Brasileiro de TF

De 15 a 17 de Fevereiro de 2007, vai realizar-se na Universidade Fernando Pessoa o

3º Simpósio Luso-Brasileiro de Terapia da Fala.


O Pré-programa é muito atractivo e, a julgar pelo que se passou no simpósio anterior, sei que este será um evento muito interessante.
A não perder!

UFP: Nova e Inovadora

11 dezembro 2006

Software grátis de análise acústica de voz

Existem alguns programas de análise acústica de voz disponíveis para download gratuito na internet. Saliento dois que me parecem ser instrumentos muito úteis e de fácil utilização. Estes softwares analisam a voz, mas só o utilizador poderá interpretar os resultados no contexto do seu trabalho. Por isso, é necessário conhecer os elementos da produção da voz, compreender as formas das curvas e os espectrogramas.

O “Praat” é um programa que permite não só analisar, sintetizar e manipular a voz, mas também criar imagens (gráficos) para apresentação em trabalhos ou teses. Foi elaborado por Paul Boersma e David Weenink, no Departamento de Fonética da Universidade de Amsterdão e está constantemente a ser melhorado. A versão 4.5.05 foi lançada em 05 de Dezembro de 2006 e está disponível para download no sítio da internet do Praat, onde se podem fazer actualizações para se conseguir as mais recentes funções e correcções.

É possível fazer análises espectrográficas, do pitch, dos formantes, da intensidade, e ainda obter o jitter (índice de perturbação da frequência de vibração das cordas vocais), o shimmer (índice de perturbação da amplitude de vibração das cordas vocais) e medidas de ruído glótico. Existe uma janela de ajuda (“Help”), que apresenta um manual que permite buscas pelo tópico que pretendemos esclarecer, ou que se pode ler sequencialmente.

2. WAVESURFER

O Wavesurfer é também uma ferramenta para visualização e manipulação de som. Foi concebido tanto para utilizadores inexperientes como para os mais avançados, visto que tem uma interface simples e lógica.

Foi elaborado por Kåre Sjölander and Jonas Beskow, do Centro para Tecnologia da Fala – Centre for Speech Technology (CTT) – em Estocolmo. A última versão é a 1.8.5 e foi lançada em 01 de Novembro de 2005. Pode ser usado para várias tarefas na área da voz, nomeadamente pesquisa e formação. As aplicações típicas são a análise de som/voz e transcrição de som, possibilitando avaliações espectrográficas, do pitch, da intensidade e dos formantes.

O Wavesurfer permite a execução de várias tarefas de uma forma mais intuitiva comparativamente ao Praat. No entanto, ao contrário do Praat, o Wavesurfer não permite a análise das medidas de perturbação jitter e shimmer, nem se obtêm gráficos comparativos.

07 dezembro 2006

Petição pela Acessibilidade Electrónica

Está a decorrer uma petição que visa recolher assinaturas (no mínimo quatro mil), a serem enviadas à Assembleia da República por forma a ser discutida a temática da acessibilidade electrónica.

06 dezembro 2006

Pai Natal

02 dezembro 2006

Neuropsicologia cognitiva - breve perspectiva histórica

Afasia é a perturbação de linguagem que ocorre após uma lesão cerebral nas estruturas que se supõe serem responsáveis pelo processamento da linguagem (por ex., acidente vascular cerebral, traumatismo crânio-encefálico, tumor, infecção). Os conceitos sobre a afasia têm sofrido evoluções desde o século XIX. Apesar de rapidamente contestado, Franz Joseph Gall (1796), fundador da frenologia, introduziu a noção revolucionária de que no córtex cerebral estariam órgãos capazes de desempenhar funções, que pelo seu desenvolvimento moldavam a calote craniana e através da análise da cabeça de cada indivíduo seria possível adivinhar as suas competências e aspectos da sua personalidade (Castro Caldas, 2000). Estas ideias serviram para iniciar o debate sobre se diferentes partes do cérebro seriam responsáveis por capacidades mentais distintas (Basso, 2003).

Os primeiros passos no estudo da afasia foram dados por Paul Broca (1861) e Carl Wernicke (1874), com pioneiros estudos post mortem em indivíduos que tinham sofrido lesões cerebrais, tentando estabelecer uma relação entre a área cerebral afectada e as perturbações de linguagem. Broca descobriu que ocorriam alterações na linguagem após lesão no hemisfério esquerdo e que a perda da fala articulada se devia a uma lesão cortical na porção posterior do giro frontal inferior esquerdo (área de Broca), originando uma afasia motora ou não-fluente. Wernicke revelou que haveria uma forma diferente de afasia, que seria fluente e com perturbações da compreensão associadas, após lesão cortical na parte posterior e superior do lobo temporal esquerdo (Basso, 2003; Obler & Gjerlow, 2002; e Williams, White & Mace, 2004).

Estas descobertas foram a base da abordagem localizacionista à afasia, que levou à classificação em síndromes (conjunto de sintomas que podem co-ocorrer) ainda muito utilizada e popular, apesar de haver perspectivas diferentes e algumas até completamente opostas. Com base na avaliação de 4 pontos cardinais – fluência, compreensão, nomeação e repetição – faz-se a divisão em afasia de Broca, afasia de Wernicke, afasia de Condução, afasia Transcortical Motora, afasia Transcortical Sensorial, afasia Transcortical Mista, afasia de Nomeação e afasia Global (Basso, 2003, Castro Caldas, 2000 e Obler & Gjerlow, 2002).

Segundo Basso (2003) e Castro Caldas (2000), esta classificação é útil para fins médicos e para estudos de casos com características idênticas, na medida em que agrupa e faz um resumo dos sintomas do doente e porque capta algumas regularidades nas perturbações da linguagem. Estes autores consideram ainda que não é útil para a pesquisa nem para a reabilitação, porque o mais importante é ter uma “(…) perspectiva multidimensional, atendendo às idiossincrasias que podem permitir (…) adaptar o programa de reabilitação, que deve ser sempre feito por medida.” (Castro Caldas, 2000, 167). Basso (2003) relata que em meados dos anos 1950, surge a Neuropsicologia Cognitiva, cujo objectivo principal era pesquisar mais sobre o funcionamento da mente e formular descrições sobre os processos que ocorrem durante a execução de uma actividade mental, tal como falar, memória, reconhecimento, etc. O sistema de processamento humano foi comparado ao de um computador, com sub-sistemas e diagramas (por ex., o modelo da dupla via – ver “Fala” passada).

O objectivo básico da Neuropsicologia Cognitiva é fornecer uma teoria sobre o processamento cognitivo normal e explicar o desempenho de doentes com lesão cerebral, em termos de comprometimento de um ou mais componentes. Os neuropsicólogos estabeleceram a existência de deficits selectivos, sugerindo que o cérebro está organizado em áreas distintas com alguma independência funcional, apesar de interligados (Basso, 2003).

Assim, a Neuropsicologia Cognitiva faz uma abordagem funcional ao estudo da mente, ou seja, a caracterização de padrões de desempenho perturbado em função dos sub-componentes lesados. Está mais preocupada com a natureza dos mecanismos cognitivos e menos com a sua localização, tendo por base alguns pressupostos (Basso, 2003):
* Modularidade – Cada função cognitiva complexa consiste numa série de sub-componentes funcionalmente independentes, ou seja, módulos. Estes sistemas são ilustrados por diagramas, com caixas que representam os módulos e setas para as vias de acesso e fluxo de informação.
* Universalidade – Não existem variações individuais significativas quanto à estrutura funcional dos sistemas cognitivos, senão não seria possível fazer inferências de doente para doente.
* Subtracção – Não são criadas estruturas cognitivas novas como consequência de uma lesão; apenas algumas operações do sistema estão perturbadas. As transformações patológicas podem ser inferidas a partir da análise da estrutura normal.

A localização da lesão é um bom ponto de partida para a decisão subsequente quanto aos objectivos da intervenção. No entanto, para se iniciar o processo terapêutico é necessário fazer um claro diagnóstico funcional dos componentes afectados, que permita restringir as escolhas terapêuticas mais adequadas a cada caso.

REFERÊNCIAS: 1] Basso, A. (2003). Aphasia and its therapy. New York: Oxford University Press. 2] Castro Caldas, A. (2000). A herança de Franz Joseph Gall – o cérebro ao serviço do comportamento humano. Lisboa: McGraw-Hill. 3] Obler, L.K. & Gjerlow, K. (2002). A linguagem e o cérebro. Lisboa: Instituto Piaget. 4] Williams, S.M.; White, L.E.; Mace, A.C. (2004). Sylvius for Neuroscience – a visual glossary of human neuroanatomy. [CD-ROM]. Pyramis Studios.

Imagem de Sylvius for Neuroscience

Realizado por Eva Antunes

01 dezembro 2006

Diversidade


O mundo é mais duro quando não é concebido para si!

Custará assim tanto contribuir para a acessibilidade para todos?