06 janeiro 2007

"Heranças natalícias"

Madona e criança, Fra Fillipo Lippi (1406-1469)
«(…) Este ano fui forçada a tomar uma decisão inédita: a admissão do Menino Jesus na minha casa. Nada teria acontecido se não tivesse herdado a estatueta. (…)
A decisão de guardar o Menino é misteriosa. (…) Só agora, ao retirar de um armário as bolas de lamé dourado com que decoro a árvore, me deparei com a sua beleza. O que fazer: expô-lo ou deixá-lo ficar no buraco? A primeira opção levantava o problema de ter de explicar aos netos – os meus filhos há muito que deixaram de me fazer perguntas – a sua presença num lar ateu.
Decidi realizar uma sondagem de opinião. Telefonei aos netos e perguntei-lhes se prefeririam que, sob a árvore, eu pusesse o Menino. A resposta foi unânime: “Sim, por favor, avó, ponha-o, não se esqueça que é por causa dele que há a festa”. (…) Antes de chegar a família, pus-me, mais uma vez, a olhar o Menino. E a pensar na forma como poderia legar aos meus netos a tradição em que fui educada, a fim de que, também eles, possam, um dia, apreciar os quadros de Lippo Lippi, a nave do convento de Alcobaça e “A Paixão Segundo São Mateus” de J.S. Bach. O Menino acabou por fazer parte da festa de Natal, até porque, cá por casa, ao contrário do que parece estar a suceder por essa Europa fora, ninguém teme a “outra” religião. Antes que o Islão nos engula, convém que, às crianças ocidentais, seja explicada a importância do Cristianismo nas tradições, valores e culturas da nossa civilização. Mesmo uma avó ateia percebe isto.»

por Maria Filomena Mónica, in Pública (553), 24 de Dezembro de 2006